segunda-feira, fevereiro 20

já não tenho emoções! só se for um beijo...



Estou farto! Cansado disto tudo.
Cansado até de te ver, sabes? Cruzas-te comigo invariavelmente, quatro vezes ao dia. Quatro vezes fazes de conta que não me conheces. Quatro vezes desvias os olhos, pudibunda – pudibunda? TU??? – a olhar uma montra qualquer.
Até tu, até tu já não me tocas. Nem tu, nem ninguém.
A minha vida fechou-se num manto espesso e opaco, impenetrável. Até para mim às vezes, que prefiro pôr-me de fora, com um copo numa mão e um cigarro na outra, a olhar desinteressado; sítio escuro, onde me escondo, para onde fujo, e onde vivo, só, agora.
É isso, estou só. Só, velho e cansado; da cidade, do barulho, do cheiro, de tudo o que me rodeia.
Sinto-me semi-morto, como que a flutuar por cima disto tudo e sem nada de interessante para ver.


Mas só aqui e a ti, vou contar-te um segredo: sabes, acredito lá no fundo que se um dia voltasses ao menos a olhar para mim, creio que era capaz de acordar e voltar a viver.
Quem sabe?
Queres experimentar?

domingo, fevereiro 19

azuis...



Morro, devagarinho, a olhar-te
Azulei-me completamente nos teus olhos

Seguraste-me, suspendeste-me com eles
Mergulhei, afundei, afoguei-me... neles

Agora...
Lentamente
Deixo-me escoar
Por entre as grades do teu olhar

tempestade



Estoira lá fora o trovão!
Tremendo, rebenta-me o peito
Ruge, raivoso como um cão
Que tempestade! Oh, dia perfeito

Quero montar o vento suão
Encharcado, à chuva, sem jeito
Molhado até à alma; e então,
Gritar alto, a esmo e a eito:

Meu Deus, que horror!
Tem dó e aparta
De mim, tanta dor...
Deixa vir
O raio que me parta

sexta-feira, fevereiro 17

Eu...

Eu cheiro ao vento
Quente, do deserto
Cheiro à erva
Molhada, na madrugada
Cheiro ao rio
Coberto de nevoeiro,
Ou cheio de sol
Que desce, pela vida fora
Até desaguar em ti

Cheiro a cinzas
Cheiro a pó

Cheiro a uma valsa por dançar
A uma frase que ficou por dizer…

Um toque...



Afago-te
Com estas mãos velhas e secas

Consegues tocar-me
A aspereza da alma
O enrugado do sentir
O encorrilhado já, do coração

Tocas decerto, e bem
Uma corda que tenho
Cá dentro, escondida, em segredo


Às vezes afloras
A macieza do amor

de mim...

Saboreias
O azedo da minha alma
O amargo do meu sentir

O salgado do meu choro
O ácido do meu escrever

O doce, da minha morte


Tenho, por certo, o sabor
Do azul onde não chegas nunca
Da nuvem, que no ar se desfaz

silêncios



Encosta-te a mim
Aqui, bem junto ao coração
O que ouves?

O mar?

O silêncio de um piano?
Ou um grito por dar?

O vento?
O silêncio de uma vida
Ou um ai reprimido?

Ouves, por certo gemer
O calado de mil choros

Toda a minha vida
Mil anos
Para trás

A longidão de um olhar



Olhas-me
Bem para o fundo da alma
Perscrutas-me
Até bem adentro de mim
O que vês?
Nada!

Lonjura e dor
Deserto e secura
Tempestade.. e raiva

(Ah, que bonitos são os teus olhos)

gritos de alma



Gosto das Palavras
Vejo-as à minha frente às vezes a dançar; olho-as, roubo-as, rapto-as. Colecciono-as muitas vezes letra a letra, vou-as guardando numa caixinha de madeira que fiz, um dia.
Depois, quando estou só, abro a caixa, olho para elas e entristeço.
Fico triste, tão triste que começo a juntar aquelas letrinhas todas, uma aqui, outra acolá, e, desmanchando o que me vai na alma vou-as alinhando até que sai… isto.
Gritos, d’alma, geralmente.